Grávida de 8 meses, Vanessa Souza (D) esperou horas por atendimento em unidade pública
A carência de vagas em leitos obstétricos na rede privada – tema da reportagem publicada no último domingo – tem levado muitas gestantes a recorrerem ao já sobrecarregado Sistema Único de Saúde (SUS).
Um mapeamento apresentado, no final do ano passado, pela Agência Nacional da Saúde (ANS) mostra, inclusive, que o parto é o procedimento mais procurado para ressarcimento dos planos de saúde ao SUS – seja natural ou por cesariana.
Conforme o estudo, que traça um perfil dos usuários de planos de saúde que buscam atendimento no SUS, houve um aumento de 82% no reembolso em 2014.
Entre janeiro e novembro do ano passado, o valor arrecadado foi de R$ 335,74 milhões, 82% a mais que em todo o ano de 2013, R$ 183,2 milhões.
Nos últimos quatro anos – 2011 a novembro de 2014-, o valor do ressarcimento chegou a R$ 673,66 milhões. Segundo a ANS, o volume cresceu devido à intensificação da cobrança.
Entre os procedimentos mais procurados para reembolso, ainda estão a pneumonia ou gripe – em segundo lugar; além do diagnóstico e ou atendimento de urgência em clínica médica, na terceira posição.
Por meio da assessoria de imprensa, a ANS informou que a solicitação de ressarcimento não ocorre, necessariamente, porque a gestante não conseguiu atendimento por falta de vagas na rede privada.
De acordo com o órgão, há mulheres que tiverem filhos na rede pública porque estavam viajando e fora da área de cobertura do plano do qual é segurada; ou que optaram por ter filhos em outros estados por questões familiares, entre outras.
SuperlotaçãoO sanitarista e coordenador do Programa Rede Cegonha da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Manoel Henrique de Miranda, confirmou que existe o impacto direto entre o fechamento dos leitos obstétricos na rede privada e o aumento da demanda nas maternidades públicas.
“A superlotação é evidente nas maternidades, principalmente naquelas da capital e dos grandes centros urbanos do estado”, diz.
Manoel Henrique afirma que o problema do estado não é a falta de leitos, e garante que, desde que o Ministério da Saúde (MS) redefiniu o método de cálculo da necessidade de leitos obstétricos, a Bahia apresenta um contexto de suficiência.
“É fundamental compreendermos que o SUS é tripartite, ou seja, cabe aos municípios, estados e à União a responsabilidade pelo funcionamento dos serviços de saúde”, ressalta.
Segundo ele, de acordo com os parâmetros do Ministério da Saúde, Salvador necessitaria de 364 leitos obstétricos e dispõe de 533, e há 3.847 leitos disponíveis para o SUS no estado (ver boxe ao lado) – acima da quantidade necessária, que seria de 2.246 leitos.
O Ministério da Saúde redefiniu o método de cálculo da necessidade de leitos obstétricos desde fevereiro de 2012, introduzindo a estimativa de tempo médio de permanência e a taxa de ocupação para os leitos, considerando o perfil de risco gestacional.
Antes, o MS utilizava a portaria nº 1101/GM de 12 de junho de 2002 que tinha como critérios parâmetros populacionais.
Com essa mudança, buscou-se um maior monitoramento sobre o uso dos leitos, definindo que todos os serviços deveriam ter obrigatoriamente taxa de ocupação de, no mínimo, 85% do total de leitos registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Nesse caso, as mulheres de risco habitual deveriam permanecer internadas até três dias, e as com alto risco gestacional, até cinco dias.
Um outro problema apontado pelo coordenador da Rede Cegonha é a demanda de gestantes que vêm do interior do estado.
“O que acontece é que os hospitais municipais e filantrópicos não estão vinculando as gestantes desde o pré- -natal, o que significa, na prática, responsabilizando-se em realizar o parto”.
Segundo ele, garantir o parto das mulheres acompanhadas durante o pré-natal no próprio município – uma vez avaliado o risco gestacional – passou a ser regra de organização da rede de atenção do SUS.
“Todos os municípios têm condição de saber o número de mulheres que irão parir por mês e isso deve ser utilizado para preparar a rede de atenção. Como isso não acontece, as mulheres peregrinam e encontram assistência para o parto , nas maternidades estaduais, mas em um contexto de superlotação”, afirma.
Foi o caso da gestante Vanessa Souza, 21 anos, grávida de oito meses. Ela deu entrada na Maternidade Professor José Maria de Magalhães Neto, no Pau Miúdo, às 7h da última quinta-feira e às 11h30 ainda aguardava atendimento.
“Nem fui examinada. Não me disseram absolutamente nada. Estou em trabalho de parto prematuro e não sei o que será de mim e do meu filho”, desabafou, ansiosa pela chegada de Jonathan.
Na recepção da maternidade, um aviso informava que todos os leitos estavam ocupados com gestantes, puerpéreas (mulheres que já tiveram os bebês), pacientes aguardando a realização de cesáreas ou parto natural, além de não haver vagas para recém-nascidos.
JustiçaDe acordo com a advogada e professora universitária de direito civil Ivy Lyra, os beneficiários também podem entrar com uma ação contra as empresas de planos de saúde.
“São ações distintas, mas tanto a União quanto os segurados das operadoras têm o direito de entrar com um processo. O beneficiário pode pedir indenização pelo descumprimento do acordo pactuado com a empresa à qual é conveniado”, explica a advogada. Ela acrescenta que cada caso precisa ser avaliado individualmente.
Na segunda, 16, o A TARDE entrou em contato com a assessoria de imprensa da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) – entidade que representa as operadoras de planos de saúde -, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Em resposta à matéria sobre a carência de leitos obstétricos na rede privada em Salvador, veiculada no domingo passado, a Abramge enviou uma nota em que comenta o assunto.
“O papel dos profissionais e prestadores de serviços de saúde é fundamental para que as operadoras possam cumprir sua missão de viabilizar o acesso à assistência médica de qualidade aos beneficiários dos planos”.
A entidade também diz que, em caso de haver dificuldades para o atendimento, os segurados dos planos de saúde devem procurar os canais de comunicação das operadoras.
Fonte: A Tarde
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