Saídas para a crise política e fiscal não podem promover crises sociais. A proposta de desobrigação parcial e temporária com gastos compulsórios em saúde e educação é inconstitucional, imoral e deveria ser rechaçada por toda a sociedade.
Em tempos difíceis, o Estado tem o dever de proteger direitos fundamentais de seu povo e maximizar a justiça social permitida no capitalismo. Nem na década “perdida” de 1980, com inflação e recessão, foi cogitada uma solução como esta.
Ao contrário, foi a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que o Brasil deu o grande passo de criar o Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento integral e universal –princípios que estão sob ataque no Congresso Nacional.
Além de autorizar a ampliação da entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde, o Congresso tirou do baú a PEC 451/2004, de Eduardo Cunha, que propõe desobrigar o Estado de prover saúde como direito universal do povo brasileiro, e autoriza seu arrendamento para empresas e operadoras de planos privados.
Houve também a grave tentativa de passar a cobrar pelo atendimento do SUS por faixa de renda, que constava da Agenda Brasil, de Renan Calheiros.
Esses políticos esquecem que, num país onde a concentração de riquezas é secular e os direitos sociais são conquistas recentes, uma crise social aumentaria a desigualdade, a discriminação e os preconceitos, gerando conflitos e violência social.
O SUS vem sendo implantado no país sob forte militância de entidades e movimentos sociais e populares, que pressionam todas as esferas de governo para tornar realidade seus princípios constitucionais.
Neste ano, está sendo realizada a 15ª Conferência Nacional de Saúde, na qual um dos principais temas debatidos é como superar o subfinanciamento do SUS. O Brasil investe 3,9% do PIB em saúde, enquanto a Organização Mundial de Saúde preconiza um percentual acima de 7%. A saúde de cada brasileiro custa, em média, cerca de R$ 3 ao dia.
Iludem-se aqueles que entendem que o SUS é somente para atender as classes populares. No Brasil, a saúde pública cuida não apenas da recuperação da saúde, mas também de sua promoção e prevenção.
Dentre os inúmeros serviços ofertados pelo SUS estão a fiscalização de cargas perigosas em portos, aeroportos e estabelecimentos comerciais e industriais, o registro e a avaliação de medicamentos e cosméticos, e ainda o monitoramento da qualidade da água e dos alimentos.
Mas de onde viriam mais recursos para saúde? Além de cortar mordomias dos congressistas, o Conselho Nacional de Saúde defende acabar com os planos privados de saúde para servidores públicos e autoridades, acabar com o subsídio e a isenção fiscal aos planos privados de saúde.
Do ponto de vista tributário, há cinco propostas: ampliar permanentemente a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); criar uma contribuição sobre as grandes transações financeiras e a tributação das remessas de lucros das multinacionais; taxar grandes fortunas; revisar o DPVAT (seguro sobre acidentes de trânsito) para ampliar a destinação de recursos ao SUS; e elevar a taxação sobre os produtos derivados de tabaco, as bebidas alcoólicas e as motocicletas.
Saúde não é programa governamental, é direito fundamental. Em tempos de crise, é preciso mobilizar a sociedade para salvar o SUS e mantê-lo como medida de proteção social.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO
LENIR SANTOS, 61, doutora em direito sanitário, é coordenadora do Idisa (Instituto de Direito Sanitário Aplicado)
MARIA DO SOCORRO DE SOUZA, 50, filósofa e mestre em política social, é presidente do Conselho Nacional de Saúde
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